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Foto do escritorGrazieliAnjos

Um dia de Home Office

Atualizado: 1 de nov. de 2022



Abri os olhos e lá estava, levantei e lá continuei. Mais um dia, mais uma lista, mais uma lua, mais um sol.


Fingi que respirei e continuei. Os pés no chão fingem que sentem o mundo e no fim nada sentia de fato.


Quem diria que um dia sentiria falta de um transporte público de ver outros rostos que não o meu no espelho. De me arrumar para outras pessoas e tirar esse pijama que virou meu uniforme e que se duvidar vai sair andando daqui a pouco sozinho por ai.


Sentei nessa cadeira, liguei esse computador, li essa matéria, fiz aquela aula de inglês, e hoje também tinha espanhol e lá vou eu abrindo mais um site e fazendo mais uma aula online nesse computador que é minha visão 24 horas por dia.


Trabalho, faculdade, inglês, espanhol, entreterimento, paquera, amigos, absolutamente tudo online. Não dá mais para ver tantos rostos através de uma tela de computador. O calor humano faz falta, o calor humano é o que precisamos o tempo inteiro e não percebemos!


Hoje era dia de reunião online, nunca me arrumo para trabalhar, o home office me deu essa oportunidade de parecer uma mendiga 24 horas por dia. Mas hoje, justo hoje que eu estava com a minha blusa de frio mais velha, minha chefe pediu para todos abrirem a câmera, pois disse que queria ver nossos rostos. Do que vale ver rostos por uma tela de computador? Eu não estava apresentável e na verdade nunca estou. E lá fui eu obrigada pela boa obediência a abrir a câmera e todos verem essa minha cara que há dias não sabe o que é uma maquiagem. Cada vez que me via na câmera sentia uma vontade diferente de sair correndo e trocar de roupa. Aquela blusa toda esticada estava me dando vergonha, mas com a câmera ligada mantinha minha cara de simpática. Tentava sorrir e fingir que estava tudo bem que não estava agoniada de estar ali mais uma vez sem nem abrir a porta de casa, de não saber se lá fora estava frio ou calor.


Dizem por ai que no Home Office pelo menos podemos arrumar a casa, queria que eles olhassem minha pia cheia de louças, meu chão para varrer e toda a loucura que todos os dias eu preciso lidar, mas não consigo. Eu amo meu trabalho, não é sobre isso que hoje eu escrevo, mas sobre essa solidão de telas quando tudo o que eu queria era a presença .


A verdade, é que eu estava divagando na minha mente enquanto acontecia a reunião.Então, de repente para piorar toda a minha situação de vergonha alheia meu cachorro que estava deitado ao meu lado resolve aparecer achando que todas aquelas vozes ali estavam falando com ele. Ele vem e puxa minha blusa de frio já desmantelada revelando que ela ainda era mais velha do que podia aparecer. Ele aparece na câmera fazendo uma arruaçã, exigindo minha atenção, na verdade implora por ela. E eu ali com cara de paisagem fingindo que nada estava acontecendo. Repeti várias vezes em pensamento que ninguém estava prestando atenção em mim , eles tinham outras coisas importantes a se preocupar no momento!


A verdade que ninguém estava olhando pra mim, mas eu estava olhando para mim e isso era o que me abalava.Eu via que minha situação estava lamentável demais para seguir sem me preocupar. A câmera continuava aberta e eu fingindo tranquilidade, enquanto meu cachorro maluco fazia uma bagunça ao meu lado. Lá estava eu com minha blusa de frio de mil anos atrás, o cabelo de quem perdeu uma guerra e a cara de quem provavelmente não dormia há decádas. Alguém faz um comentário e eu simplesmente balanço a cabeça e concordo com o que foi dito, mas na real nem sei o que estavam falando, meu corpo podia está ali, mas minha alma já se foi para um lugar completamente desconhecido.


E finalmente a reunião acabou, posso respirar e ter o privilégio de ser feia e desajeitada sem ninguém me ver, quer dizer só o meu cachorro que neste momento me olha e me julga como sempre. E no final mais um dia passou, mais um sol se pôs e mais um dia sem abrir aquela porta. E uma nota mental para o próximo dia; me arrumar o minimamente possivel quando tiver uma reunião!

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